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ACT
No Brasil, quanto mais negro e mais pobre, maiores são as chances de ser fumante. Quem confirma essa informação é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, através da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada em 2019. Para se ter uma ideia, apenas 7,1% dos que consomem tabaco possuem ensino superior completo, enquanto a porcentagem daqueles com o ensino fundamental incompleto é de 17,6%. A porcentagem de fumantes brancos é de 11,8%, já os negros, que é o somatório de pretos e pardos, representam 27,2% dos fumantes.
Analisando estes dados, começo a me questionar de onde vem a relação da população negra com o fumo. Segundo dados oficiais, há uma relação entre pobreza e fumo, e isso pode se explicar, dentre inúmeros motivos, pelo fato das pessoas mais empobrecidas -em sua maioria negra – terem, por exemplo, menos acesso à informação sobre os malefícios do tabagismo, menos acesso às escolas que são espaços onde essa pauta é debatida, e também têm menos acesso a tratamentos para deixar de fumar.
Mas será que a relação da população negra com o tabaco se restringe a um aspecto econômico e social ou há algo histórico?
Proponho que façamos uma viagem no tempo e retornemos aos primeiros negros que chegaram no Brasil. Afinal, se quem mais fuma é o negro, precisamos entender como tudo isso começou.
Entre os séculos 16 e 19, cerca de quatro milhões de homens, mulheres e crianças africanas desembarcaram no Brasil como escravos. Com eles vieram seus hábitos, seus costumes e suas crenças. Por aqui esses negros encontraram os indígenas, os verdadeiros donos da terra, que também tinham seus hábitos ancestrais. É muito comum ver em religiões de matriz africana o trabalho com ervas que são queimadas em forma de defumador, mas também o fumo. E para estas religiões, fundadas por nossos ancestrais negros e indígenas, a fumaça produzida tem significados.
Historicamente, a fumaça servia como proteção contra os maus espíritos e como erva medicinal para curar feridas e dores. Os Tupis-Guaranis, por exemplo, fumavam em seus rituais e acreditavam que naquela fumaça tinha algo sagrado. Para os indígenas, o sopro da fumaça afastava pragas e espíritos.
Ok, para alguns povos a fumaça tem uma função religiosa. Mas, definitivamente, utilizar esse argumento para explicar ou tentar justificar o tabagismo é extremamente complicado, não acha? Afinal, estaríamos tentando justificar o consumo de algo que mata mais de 200 mil pessoas no Brasil, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS).
A fumaça do cachimbo dos nossos ancestrais não continha mais de 5 mil substâncias. Isso sem contar os compostos presentes na folha do tabaco e os aditivos industriais. Neste caso, o número pode chegar a 8.622 substâncias.
Mas qual foi a ‘virada de chave’ que fez a planta mágico-religiosa dos indígenas e negros se tornar um produto comercial? Foi quando o cultivo e comércio de tabaco no Brasil colonial passou a ter ainda mais relevância no mercado e já no século XVII o produto teve diversas legislações e taxações. Foi quando o tabaco começou a figurar entre os principais produtos exportados durante o período do Império.
No final do século XIX começa a funcionar a primeira fábrica de cigarros no Brasil. Agora o assunto não é mais sobre ‘fumaças curativas’ e sim sobre ‘fumaças lucrativas’.
Nem sempre o passado justifica o presente. Mas muitas vezes, a história explica os rumos e as resignificações dos elementos. Precisamos rever hábitos e entender as mudanças culturais e sociais ao longo da nossa história. Calma, respire fundo e entenda que fumar é a principal causa de morte evitável no planeta. Se a fumaça dos nossos ancestrais servia para curar nossas dores e doenças, não podemos deixar que a fumaça do tabaco retire justamente o que eles queriam para nós: a vida.
Thaís Bernardes (Notícia Preta)