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Mônica Andreis
Acho que muita gente vai se identificar…
“… Comecei a fumar aos 7 ou 8 anos de idade, em Cochabamba. Com minhas primas, Nancy e Glayds, juntamos nossas mesadas e compramos um maço de cigarros Viceroys e o fumamos inteiro, sob uma árvore do jardim, na casa de Ladislao Cabrera. Glayds e eu sobrevivemos, mas Nancy, que era fraca, teve vômitos assustadores e os avós tiveram de chamar o médico.
Essa primeira experiência com o fumo desagradou-me muitíssimo, porém minha vontade era mais forte do que o nojo, e continuei a fumar para parecer grande, embora, tenho certeza, sem o menor prazer e às escondidas, durante todos os anos do curso secundário. Minha adolescência universitária é inseparável do cigarro, dos ovalados Nacional Presidente, de fumo negro e um tanto picante, que eu fumava sem parar, enquanto lia, via filmes, discutia, namorava, conspirava ou tenatava escrever. Tragar e lançar o fumo para o ar, em círculos ou em espiral, ou como uma nuvenzinha que ia se decompondo em figuras dançantes, era uma grande felicidade: uma companhia, um apoio, uma distração, um estímulo.
Quando cheguei à Europa, em 1958, fumava dois maços por dia, no mínimo – a fumaça e os humores de milhares de cigarros devem ter acariciado os meus pulmões.
O decobrimento dos Gitanes, em Paris, aumentou extraordinariamente o meu apreço pelos cigarros. Logo passei de dois para três maços por dia. Fumava o dia inteiro, começando imediatamente após o desjejum. Não podia fumar em jejum, mas, logo depois do café forte e do croissant, aquela primeira aspiração de fumo espesso tinha o efeito de um verdadeiro despertar, do começo do dia, do primeiro impulso vital, da colocação do organismo em funcionamento. Lembro-me perfeitamente de que ter um cigarro acesso na mão se converteu no requisito indispensável para qualquer ação ou decisão, trivial ou importante, da vida: ao abrir uma carta, responder a um telefonema ou pedir empréstimo no banco. Fumava entre um prato e outro durante as refeições, e na cama, dando a última pitada quando o sono já havia me arrebatado parte da consciência.
Por aquela época, meados da década de 60, um médico advertiu-me de que era o cigarro que estava me fazendo mal e, se eu não o suprimisse, eu deveria ao menos reduzir drasticamente a ração de fumo. Eu vivia atormentado com problemas nos brônquios, e, durante os invernos parisienses, tossia e espirrava incessantemente.
Não fiz caso da recomendação do médico, convencido de que sem o fumo a minha vida ficaria terrivelmente empobrecida, e eu até perderia a vontade de escrever. Mas, ao me mudar para Londres, em 1966, tentei uma acomodação covarde com meu vício solitário: fumar, em vez dos amados Gitanes, os cigarros Players Number 6, fracos e avermelhados, que tinham filtro, menos fumo, dos quais nunca cheguei a gostar. Fiz isso porque comecei a sentir, à tarde ou à noite, por causa da intoxicação por nicotina, umas pontadas no peito que só diminuiam quando eu tomava um copo de leite .
Mas não foram os brônquios maltratados nem as pontadas no peito, e sim um médico de Pulmann, cujo nome – Oh, ingratidão humana! – esqueci, quem finalmente me fez decidir deixar de fumar. Eu estava lá, como professor daquela localidade remota, favorecida pelas tormentas de neve e as maçãs vermelhas do centro do Estado de Washington, e meu simpático vizinho, professor na Faculdade de Medicina da universidade, via-me fumar como um morcego, ele me pediu que lhe desse meio dia da minha vida.
Fiz isso porque a idéia me agradou, mas advertindo – o de que era genericamente alérgico às conversões (religisosas, políticas ou medicinais). Ele sorriu, compreensivo, e me levou ao hospital da universidade, onde, durante três ou quatro horas, me deu uma aula prática contra o cigarro.
Saí da visita convencido de que nós, os seres humanos, somos ainda mais estúpidos do que parecemos, porque fumar constitui um cataclismo sem remédio para qualquer organismo, como pode comprovar qualquer pessoa que se dê ao trabalho de consultar as informações científico -enciclopédicas, que existem a respeito e não puderam ser contestadas por nenhuma das comissões de cientistas contratados pelas companhias de cigarros pra tentar refutar as conclusões desagradáveis de todas as pesquisas independentes feitas sobre os efeitos do fumo. E, apesar disso, ainda existem – e sem dúvida continuarão a existir – milhões de fumantes no mundo.
O que talvez me tenha impressionado mais foi notar a absoluta desproporção que existe, no caso do cigarro, entre o prazer e o risco que se corre, ao contrário do que se sucede com outras práticas, também perigosas para a saúde – resisto à idéia de chamá-las de vícios – mas infinitamente mais suculentas do que a tolice de tragar e expelir fumaça. Entretanto, apesar de ter sido tão fanaticamente persuadido por meu amigo de Pullman da barbaridade criminosa que é fumar, continuei a fumar no mínimo durante mais um ano, sem me atrever a dar o passo decisivo. Mas sentia os efeitos do temor, da consciência pesada e dos remorsos, cada vez que acendia um cigarro.
Deixei de fumar em 1970, no dia em que parti de Londres para viver em Barcelona. Foi muito menos difícil do que eu temia. Nas primeiras semanas não fiz outra coisa além de não fumar – era a única atividade que eu tinha na cabeça – mas me ajudou muito, desde o primeiro momento, começar a dormir, finalmente, como uma pessoa normal, sem os acessos de tosse que antes me despertavam várias vezes por noite, e acordando de manhã com o corpo fresco, sem a fadiga de antes.
Foi divertidíssimo descobrir que havia odores diferentes na vida – que existia o olfato – e, sobretudo, sabores, o que significa que não era a mesma coisa que comer um prato de grão -de bico e um churrasco com arroz. Juro que não é exagero, mas o fumo havia estragado por completo o sentido do paladar. Deixar de fumar não afetou em nada meu trabalho intelectual; ao contrário, pude trabalhar mais horas, sem aquelas pontadas que antes me arrancavam do escritório, enjoado, em busca do copo de leite. As conseqüências negativas de deixar de fumar foram o apetite, que se multiplicou e me obrigou a fazer exercícios, dietas e até jejuns, e uma certa alergia pelo cheiro do fumo, que, em países onde ainda se fuma muito e em qualquer lugar, como na Espanha ou na América Latina, pode complicar bastante a vida do ex- fumante.
Como acostuma acontecer com os convertidos, nos primeiros tempos, tornei-me um aspóstolo contra o fumo. Em Barcelona, uma de minhas primeiras conquistas foi Garcia Márquez, que, certa noite, em um bar da Rua Tuset, lívido de horror com minhas histórias missionárias sobre os estragos da nicotina, jogou o maço de cigarro no chão e jurou que não fumaria mais. Ele cumpriu o prometido. Convenci vários de meus amigos daqueles anos a deixar de fumar e adotar vícios mais saboros e benignos…”